sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Os Indiferentes de Alberto Moravia

Alberto Moravia, escritor italiano.

Uma tragédia em forma de romance


Leo Merumeci, um homem de negócios de boa aparência e poucos escrúpulos, é amante de Mariagrazia, uma viúva burguesa que cultiva as aparências mas vive há muito acima das suas possibilidades. Merumeci está mais do que farto de Mariagrazia, mas, como pretende aproveitar-se do dinheiro que esta lhe deve para deitar a mão à propriedade da família, vai adiando a ruptura, enquanto seduz a sua filha, Carla. No dia em que comemora o seu 24º aniversário, a jovem dispõe-se a ceder, achando que qualquer mudança poderá atenuar, por pouco que seja, o sufocante tédio da sua vida presente. Michele, o irmão de Carla, percebe as intenções de Leo e tenta agir como se o odiasse, mas está demasiado consciente de que tudo o que o rodeia apenas lhe inspira uma patológica indiferença. A mesma que o leva a ir-se deixando enredar nos jogos de sedução de Lisa, "amiga" da mãe e ex-amante de Leo, pela qual não consegue sentir nem desejo nem repulsa.
Cinco personagens e todos os ingredientes de uma tragédia clássica. "Os Indiferentes", de Alberto Moravia, é justamente isso: o equivalente, em romance, de uma tragédia. Um reduzido elenco de protagonistas, um tempo de acção que mal excede as 48 horas, um cenário principal (a casa de Mariagrazia) e dois subsidiários (as casas de Leo e Lisa), e uma narrativa que quase exclusivamente se reduz aos diálogos e aos monólogos interiores das personagens.
De seu verdadeiro nome Alberto Pincherle, Moravia nasceu em Roma em 1907, numa família da classe média com razoáveis recursos. O pai era pintor e arquitecto. Aos nove anos, em 1916, contraiu tuberculose óssea, o que o obrigou a prolongados internamentos, até 1925, impedindo-o de frequentar a escola. Estudou em casa e em sanatórios, tornando-se um leitor obsessivo. Aos 13 anos escrevia poemas e tinha apenas 22 quando publicou "Os Indiferentes", revelando-se um dos mais espantosos casos de precocidade da literatura contemporânea.
Se Moravia foi muito criticado pela alegada cedência dos seus últimos romances a temas de êxito fácil, ninguém discute a qualidade dessa série inicial de romances, que vai deste "Os Indiferentes" até aos grandes frescos romanos dos anos 40 e 50: "La Romana", "Il Conformista" e "La Ciociara", todos eles adaptados ao cinema, respectivamente por Luigi Zampa, Bernardo Bertolucci e Vittorio De Sicca.
A versão cinematográfica mais conhecida de "Os Indiferentes" deve-se a Francesco Maselli, cujo filme de 1964 conta com Paulette Goddard, que interpreta Mariagrazia, e ainda com Claudia Cardinale (Carla), Rod Steiger (Leo) e Shelley Winters, no seu habitual papel de auto-iludida sedutora de meia-idade (é a mãe de Lolita, na adaptação de Kubrick do romance de Nabokov).
A ligação de Moravia ao cinema não se reduz, de resto, aos muitos livros seus que foram levados ao grande ecrã. Ele próprio escreveu argumentos e, durante muitos anos, assegurou na imprensa uma coluna de crítica de cinema.
A sua actividade como jornalista - foi correspondente de "La Stampa" e da "Gazetta del Popolo" - levou-o a viajar pelos quatro cantos do mundo e está na origem de livros como "Un Mese in URSS" (1958), "La Rivoluzione Culturale in Cina" (1968) ou "Passegiate Africane" (1987).
Se o romance "Os Indiferentes" não agradou ao regime, que viu nele, e decerto com razão, uma crítica ao modo como a burguesia italiana contemporizava com Mussolini, a ostensiva sátira ao governo fascista que constitui "La Mascherata" (1941) obrigou-o a viver na clandestinidade, nos arredores rurais de Roma, com a escritora Elsa Morante, também ela um nome incontornável da ficção italiana do século XX, com quem se casara nesse mesmo ano.
Romance existencialista "avant la lettre"
Considerado um romance existencialista "avant la lettre", antecipando o "L'Étranger" de Camus, o livro de estreia de Moravia centra-se nos três ou quatro temas que atravessarão boa parte da sua obra posterior: o tédio da existência, a impossibilidade de comunicação real entre os homens, a alienação social ou o sexo. Questões que também abordou em alguns livros de ensaios, especialmente em "L'Uomo Come Fine" (1963) e na sua autobiografia publicada em 1990, "La Vita de Moravia", co-redigida com Alain Elkann.
O cepticismo filosófico de Moravia afastou-o sempre da militância, mas envolveu-se ocasionalmente na política, tendo mesmo chegado a ser eleito deputado europeu, em 1984, como independente nas listas do Partido Comunista Italiano.
Ao longo de 60 anos, Moravia nunca deixou de ser uma figura de referência da cena literária italiana e, apesar do seu sucesso, tinha fama de ser um homem acessível, que ajudava escritores mais jovens e passava a vida a atender jornalistas que lhe pediam depoimentos a propósito de tudo e mais alguma coisa.
Tendo-se separado de Morante no início dos anos 60, casou-se com outra ficcionista, Dacia Mariani, e, finalmente, quando já era quase octogenário, desposou uma jornalista espanhola de 30 anos, Carmen Llera, dando pretexto a uma série de "cartoons" satíricos na imprensa italiana. Um deles, mostrando ambos tranquilamente sentados a ler, ficou célebre: Moravia lia "Os Indiferentes" e Carmen, claro, "La Noia" ("O Tédio").
Após a sua morte, em 1990, causou escândalo uma entrevista póstuma surgida no semanário "L'Espresso", a ponto de ter havido quem sugerisse que se tratava de uma invenção. Nela, Moravia não poupa sequer as ex-mulheres e os amigos íntimos, como fora Pasolini, de quem afirma ter sido "um decadente". Já Ignazio Silone "era mais um político do que um escritor", e Dacia Mariani, com quem esteve casado quase 20 anos, "não sabia pegar na caneta". 



Alberto Moravia (1907-1990) nasceu em Roma, Itália. De origem judaica, é um dos grandes escritores do século XX. Romancista consagrado com títulos como Os Indiferentes, A Romana, As Ambições Frustradas, teve alguns de seus romances filmados por Bertolucci (O Conformista) e Godard (Le Mépris), entre outros. Moravia escreveu ainda centenas de contos, a maioria deles disponíveis em português: Contos Romanos, Novos Contos Romanos, A Casa de Praia das Sextas-feiras, A Coisa e outros contos e Contos Surrealistas e Satíricos.








Livro: Gli Indifferenti
autor:Alberto Moravia
editora:Bompiani
pgs:285
língua:italiano
ano:1995


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

GENÉTICA JUDAICA


O trabalho, publicado na revista britânica "Nature", faz parte de uma investigação mais ampla sobre a migração humana baseada em aglomerados de diferenças microscópicas detectados no código genético.

"Descobrimos evidências de que as comunidades judaicas se originaram no Oriente Médio", explicou o cientista molecular Doron Behar, do Rambam Health Cae Campus, em Haifa, Israel, que conduziu a pesquisa reunindo especialitas de oito países.

"Nossas descobertas genéticas concordam com registros históricos", acrescentou.

O trabalho consistiu em coletar amostras de DNA de 121 pessoas residentes em 14 comunidades judaicas ao redor do mundo, de Israel ao Norte da África, da Europa à Ásia Central e à Índia.

As amostras foram, então, comparadas com as de 1.166 indivíduos de 69 populações não judaicas, inclusive o país "anfitrião" ou região onde havia uma comunidade judaica.

Introduzindo uma nova série de dados na pesquisa, os cientistas acrescentaram a análise de 16 mil amostras do cromossomo Y -encontrado apenas em indivíduos do sexo masculino- e de DNA mitocondrial, que é transmitido pela mãe.

Os cientistas procuravam marcadores de combinações denominadas polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, na sigla em inglês).

Os SNPs são mudanças únicas no genoma que se aglomeram em padrões distintivos entre humanos que vivem juntos em grupos durante milhares de anos. Os padrões são um indício útil de como as etnicidades se desenvolveram através do isolamento geográfico ou da concentração social.

O estudo, como esperado, confirmou o Oriente Médio ou Levantino como origem dos judeus, conforme documentado nas antigas escrituras hebraicas. Esta linhagem é claramente visível nas comunidades de hoje, tempos depois de os judeus terem sido expulsos de Israel.

No entanto, mais inesperada foi a descoberta de que padrões judaicos de SNPs eram mais próximos dos cipriotas e dos drusos do que de outras populações do Oriente Médio.

Segundo o estudo, os judeus da diáspora, fortemente ligados por tradições sociais, culturais e religiosas, mantiveram de modo geral uma forte coesão genética, embora também tenha havido uma indução de DNA em menor ou maior grau da população "anfitriã".

"As comunidades judaicas parecem ter uma coesão com o reservatório genético do Levantino, mas mesmo entre as comunidades judaicas, ainda se vê como elas se inclinam para a população 'anfitriã'", disse Behar.

Nas populações não judaicas, os aglomerados de SNP confirmaram um relacionamento próximo entre beduínos, jordanianos, palestinos e árabes sauditas. Os padrões em amostras de egípcios, marroquinos, bérberes e iemenitas, no entanto, foram mais similares a populações do sul do Saara.

Uma pesquisa prévia sobre SNP deste tipo foi revelada no chamado Projeto HapMap, que ajudou a lançar luz ao cenário migratório "Out of Africa" (Fora da África), segundo o qual todos os humanos anatomicamente modernos -Homo sapiens sapiens- descenderam de ancestrais que se aventuraram de sua África natal, cerca de 50 mil anos atrás, e colonizaram o mundo.

FALSA NOÇÃO DE RAÇA

Temendo ser arrastados para um debate sobre a falsa noção de raça, os cientistas afirmam que os aglomerados SNP não são um indício para quaisquer diferenças sobre saúde, inteligência ou habilidade humanas.

Os aglomerados de DNA não afetam os genes, partes do genoma que codificam as proteínas que fornecem a constituição física do corpo, disse Behar.

Ele acrescentou que ficaria decepcionado se sua pesquisa fosse mal utilizada para a construção de perfis genéticos, como suporte por exemplo ao debate de "quem é um judeu?", que discute quem tem o direito automático à cidadania de Israel.

"É muito importante para mim mencionar aqui que como um cientista, a genética não tem nada a ver com a definição da identidade judaica", afirmou Behar.
"O judaísmo é uma religião plural. Qualquer um no mundo pode decidir um dia que quer se converter ao judaísmo e neste caso, obviamente, a genética não interfere... A genética não conseguiria provar ou descartar a identidade judaica de um indivíduo", concluiu.

[ Fonte: Folha - Ciência - http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/748099-estudo-genetico-confirma-origem-geografica-dos-judeus.shtml em 06/09/2011 ]