Para economista criador dos Brics, Brasil, Rússia, Índia e China não podem mais ser considerados países emergentes.
Antes do fim desta década, um representante dos Brics ocupará a chefia do Fundo Monetário Internacional. Até 2020, o yuan e o real passarão a compor o Direito Especial de Saques (SDR, na sigla em inglês), “moeda” do FMI, ao lado do dólar, euro, iene e libra. O Brasil tem as maiores chances de se tornar um país desenvolvido, o que pode ocorrer em 20 anos.
Jim O’Neill continua sonhando com o futuro dos Brics. A história da criação do conceito, a evolução dos países e suas perspectivas estão no livro The Growth Map: Economic opportunity in the Brics and Beyond (O Mapa do crescimento: as oportunidades econômicas nos Brics e além), que terá lançamento global em 5 de dezembro e deverá ter versão em português em 2012.
Em entrevista exclusiva à Agência Estado, em Londres, ele mantém o tom sempre otimista e contemporizador. Admite que a grave crise da zona do euro afetará os Brics, mas acha que a China, longe de ser uma bolha prestes a estourar, tem capacidade de contrabalançar os problemas do velho continente.
Para ele, os Brics não têm coerência como grupo político, por serem países muitos diferentes. Porém, precisam fazer parte da governança global. O’Neill prevê que eles se tornarão parte de um novo grupo, um G-9, menor e mais efetivo do que o G-20, a ser formado também por Estados Unidos, Japão, zona do euro, Reino Unido e Canadá.
Fanático por futebol e torcedor do Manchester United, ele diz que estará no Brasil para a Copa de 2014 – afinal, esteve em todos os quatro últimos mundiais. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Jim O' Neil, economista inglês. |
O sr., em algum momento, imaginou que o conceito dos Brics se tornaria tão famoso?
Eu nunca imaginei, isso mudou minha vida profissional. É extraordinário.
Se pudesse voltar no tempo, teria feito alguma escolha diferente?
Nos três primeiros anos, eu pensei sobre o México. Mas, quando olho para trás, não me arrependo. Na época, a escolha do Brasil foi a mais controversa.
A inclusão do Brasil foi sua maior aposta. Arriscado, não?
(Risos) Foi muito arriscado. Pessoas no Brasil dizem isso ainda hoje. Mas, como eu já estava no mercado há muitos anos, eu sabia da importância das metas de inflação. Isso foi o que realmente me influenciou.
No livro, o sr. menciona a resistência do seu colega do Goldman Sachs, Paulo Leme. Ele foi contra a inclusão do Brasil?
Ele ficou surpreso, não estava muito disposto. Mas, depois, ele deu muito apoio.
O sr. diz que a maior conquista do Brasil foi o controle da inflação. Algumas pessoas acreditam que o BC acaba de abandonar as metas de inflação. Como avalia?
Não acho que tenha abandonado. Mas não está tão independente como já foi. Talvez tenha apenas sido muito astuto quando olhou os problemas externos três meses atrás.
O sr. está preocupado com o controle da inflação no Brasil?
Não muito. Existe outro fator importante aqui: o Brasil tem o desafio da doença holandesa neste momento. O real subiu tão fortemente que as autoridades brasileiras precisam fazer algo. De certa forma, eu até admiro o fato de o Banco Central tomar certos riscos. Mas, eles precisam ter cuidados, é claro.
O sr. fala sobre o risco que a apreciação cambial traz ao País. Estamos vendo muita pressão no câmbio nos últimos dias com a crise europeia. Seria essa a reversão desordenada que o sr. teme?
A situação na Europa se tornou muito problemática nas últimas semanas, especialmente em relação à Europa. As autoridades europeias precisam ser mais decisivas, pois o mercado está muito nervoso. Falta confiança sobre as decisões políticas na Europa.
Essa turbulência pode afetar fortemente o real?
Já está afetando. A situação é muito frágil. Para ser honesto, muito vai depender da China. Se a China mostrar mais liderança, se a inflação lá cair e eles cortarem os juros e permitirem mais valorização da moeda, será muito importante para contrabalançar a crise na Europa.
Mas os Brics serão afetados pela crise europeia?
Claro, já estamos vendo isso. A zona do euro é um grande mercado. Isso afeta todo mundo, inclusive os Brics. Mas, deixe-me enfatizar: nos próximos 12 meses, o crescimento do PIB dos Brics será provavelmente igual a uma nova Itália. Precisamos manter essas coisas em perspectiva. É claro que a crise europeia pode afetar os Brics. Mas os Brics podem contrabalançar.
O sr. acredita que o Brasil entrará em recessão técnica?
Os dados mais recentes apontam que o PIB poderá se contrair no quarto trimestre. Mas acho que será temporário. Não tenho certeza de que o País entrará em recessão técnica.
Qual a taxa de crescimento que o sr. projeta para o Brasil nos próximos anos?
A tendência está entre 4% e 5%.
O sr. diz que os Brics não podem mais ser chamados de mercados emergentes. Qual é a perspectiva para que se tornem países desenvolvidos?
Acho que o Brasil tem, provavelmente, a maior chance. Até o fim desta década, a renda per capita terá dobrado. A economia está hoje perto de US$ 2 trilhões e o PIB per capita, próximo de US$ 15 mil. Talvez até o fim desta década seja de US$ 30 mil. Em 20 anos, o Brasil pode se tornar um país desenvolvido.
O que ainda precisa ser feito no Brasil?
Mais investimentos do setor privado e inovação.
Por que devemos acreditar que a China não é uma bolha, como o sr. argumenta? Há muita preocupação sobre a qualidade dos empréstimos, as dívidas locais e os preços das moradias.
Essa é uma visão muito popular. As pessoas precisam entender que os preços das casas na China estão caindo porque as autoridades estão tentando conter a alta. Não é um boom típico do Ocidente. É claro que não é o estouro de uma bolha, é o governo tentando conter.
O livro passa impressão de que o sr. não está tão entusiasmado com Rússia e Índia. É isso?
Interessante escutar isso. Eu estava tentando ser realista sobre os desafios. Sua conclusão está certa, eles ainda precisam fazer muitas coisas. O Brasil e a China estão à frente.
O sr. diz que os Brics têm limitações como grupo político porque são países muito diferentes.
O único ponto em comum é que eles têm populações muito grandes. E o desejo de ter mais sucesso.
Outro ponto em comum é a corrupção.
Sim. Mas há países do G-7 com esses problemas também. Muitas pessoas falam disso com mentalidade muito ocidental. Veja o que ocorreu na Itália nas últimas décadas: a Itália não está livre da corrupção.
Os Brics são ameaça ao G-7?
Não chamaria de ameaça. Os encontros de cúpula dos Brics destacam os acontecimentos econômicos do G-7. Foi como um oficial sênior do G-7 me disse recentemente: “Não podemos resolver nada sem a China”.
Como deve evoluir a governança global?
Todos os quatro Brics se tornarão parte de um novo grupo, menor que o G-20. Até o fim da década, estarão entre as dez maiores economias. Se a zona do euro sobreviver, se tornará apenas um grupo. Então, teremos Estados Unidos, Japão, a zona do euro, os quatro Brics e talvez o Reino Unido e o Canadá, no que seria o novo G-9.
O sr. também escreve que uma moeda comum dos Brics é muito improvável. Mas e a inclusão do yuan e até do real no Direito Especial de Saques (SDR, na sigla em inglês), a ‘moeda’ do Fundo Monetário Internacional?
Até 2020, sem dúvida é possível. Com base nas recentes definições do G-20, está claro que o yuan entrará até 2015. E o real poderia entrar até 2020.
E quando veremos um membro do Bric como chefe do FMI?
Em algum momento antes do fim desta década. Talvez o Armínio (Fraga, ex-presidente do Banco Central).
O sr. menciona isso no livro. Mas a indicação dele seria impossível no governo Dilma Rousseff.
Eu sei. Só estava tentando destacar que há pessoas preparadas.
Créditos à DANIELA MILANESE , CORRESPONDENTE / LONDRES - O Estado de S.Paulo
Créditos à DANIELA MILANESE , CORRESPONDENTE / LONDRES - O Estado de S.Paulo
Jim O’Neill criou o termo BRIC, sem o S, para designar o grupo dos principais países emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China. O termo BRICS, com S, foi criado pelo Brasil ao incluir a África do Sul, inclusão com a qual O´Neill não concorda.
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