quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Homem constrói Catedral sozinho

O magnífico Dom Justo Gallego
Eu fiquei impressionado com a história desse simpático e guerreiro senhor espanhol, Justo Gallego. Vendo a sua história, eu logo me recordei de outro guerreiro fictício, Dom Quixote de La Mancha, criado pelo eterno Miguel de Cervantes. Mas o que esse simpático senhor e Dom Quixote têm em comum ?, simples, enquanto Dom Quixote lutava contra moinhos de ventos, Dom Justo Gallego , como é conhecido, tinha um sonho exótico construir sozinho uma catedral.

Justo Gallego Martínez nasceu em 1925 é um ex-monge espanhol que construiu a sua própria catedral na localidade espanhola de Mejorada del Campo, perto de Madrid. Enquanto jovem, Gallego Martínez entrou para um mosteiro da Ordem Trapista mas deixou-o em 1961, após oito anos, pois contraiu tuberculose e a sua saúde deteriorava-se se seguisse o regime monástico. Começou a construir a sua catedral num lote de terreno que herdou dos seus pais.

Sua catedral que já é um ponto turístico aos arredores de Madrid.

Martínez é um agricultor. "Os planos só existiram na minha cabeça" - disse - e foram evoluindo de acordo com a oportunidade e a inspiração. Não dispunha de autorização de construção das autoridades locais de Mejorada del Campo. Também não contou com o beneplácito ou autorização da Igreja Católica. Explica apenas que é um ato de fé.
Diz que o edifício é dedicado a Nossa Senhora do Pilar, especialmente venerada na cidade de Saragoça. O zimbório tem 40 metros de altura. Martínez trabalha sozinho a maior parte do tempo, com ajuda ocasional de seis sobrinhos e alguns voluntários. Por vezes consulta peritos, pagando-lhes às suas custas. Financiou a construção ao alugar ou vender terrenos que herdou, ou por donativos privados.


O mais interessante é notar que esse senhor trabalha por esse sonho há 40 anos, sem nenhum tipo de ajuda, eu admiro muito pessoas empreendedoras, sonhadoras, que lutam pelo seu objetivo. Pode ser que Dom Justo não consiga ver seu sonho plenamente realizado em vida, mas o que importa é o legado desse homem grandioso, que sonhou e sozinho construiu sua própria catedral. Nem mesmo Miguel de Cervantes no alto de sua genialidade, poderia imaginar um personagem espanhol tão magnifico, que definitivamente suplanta Dom Quixote.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Aristóteles, o Teatro e a Tragédia

Após a morte de Eurípides, os dramaturgos do século IV foram meros arrivistas bem sucedidos. Os concursos trágicos ou festivais prosseguiram por longo tempo, com uma peça antiga usada para introduzir as novas, mas estas eram comparativamente fracas e a dramaturgia começou a perder a importância. Atores, cenógrafos e diretores tornaram-se mais importantes que os dramaturgos
O século IV foi também à era da crítica, foi o período da inacabada Poética, na qual Aristóteles configurou os princípios da dramaturgia grega tais como os encontrou nas obras de seus contemporâneos e predecessores. Suas lúcidas definições são um marco na história da critica teatral, embora sua influência sobre o teatro europeu, iniciada na Renascença, tenha sido de certo modo nociva, em grande parte por ter sido mal compreendida e tomada literalmente.
 
Aristóteles estabeleceu o princípio de que uma peça teatral é a imitação de uma ação, sublinhou a importância da trama dotada de começo, meio e fim, e deu especial destaque à unidade de ação, ademais, segundo a Poética, o deslindar da trama deve surgir da própria trama: dentro da ação nada deve ser irracional. As personagens devem revelar-se, não apenas pelo que fazem, como também por sua inclinação moral (ethos), e por sua forma de raciocínio (dianóia).
Para o efeito geral da tragédia, Aristóteles desenvolveu a teoria da catarse, segundo a qual a tragédia purifica as emoções através da “piedade” e do “terror”. Tendemos a interpretar essa idéia como um processo terapêutico por meio do qual o espectador se identifica com os sofredores no palco e se livra, assim, de seus próprios demônios.
No século III a.C. o teatro gozou de um período de sucesso em Alexandria sob o esclarecido mecenato de Ptolomeu II que fez de sua biblioteca o repositório da cultura grega. Infelizmente o incêndio dessa biblioteca representa até hoje uma irreparável perda para o mundo cultural. O incêndio da biblioteca de Ptolomeu II deu cabo ao primeiro grande ciclo da dramaturgia mundial.Roma adorou a cultura grega como moda, forneceu cinco respeitáveis dramaturgos durante a República, que chegou ao fim na segunda metade do século I a.C., mas as peças perdidas de Livio Andronico, Névio, Ênio e outros, sabe-se, eram meramente baseadas em Ésquilo, Sófocles e Eurípides. A força imperial romana toma o lugar da harmonia grega e a prosa disfarçada em verso suplanta a poesia.
 
O Conceito de Catarse Aristotélico
 
 
Segundo Aristóteles, a Catarse é o meio através do qual o Homem purifica sua alma, através da representação trágica. Para ele, a tragédia é um estilo derivado da poética dramática, e consiste na reprodução de ações nobres, por intermédio de atores, os quais imitam no palco as desventuras dos heróis trágicos que, por escolhas mal realizadas, passam da felicidade para a infelicidade, provocando na platéia sentimentos de terror e piedade, purgando assim as emoções humanas.
Desta forma, não basta que pessoas boas repentinamente atravessem a ponte que leva da graça para a desgraça, nem que seres maus encontrem a desdita; enfim, qualquer revés da sorte que atingir pessoas comuns não suscitará nas testemunhas destes eventos os sentimentos necessários para desencadear uma descarga emocional. Este mecanismo apenas surte efeito quando os acontecimentos giram em torno de personagens extraordinários que causam, através de suas ações desastrosas, alguma espécie de desmedida, como, por exemplo, Édipo Rei, quando de rei tebano passa a amante da própria mãe, pune-se ao cegar a si próprio e parte para o exílio. Ou seja, quando a desdita ocorre a quem não detém o merecimento.
O nascimento da tragédia está, conforme defende Aristóteles, ligado a práticas religiosas e a rituais realizados em honra de Dionísio, deus do vinho, da embriaguez, da loucura. Os artistas honravam esta divindade através da apresentação dos ditirambos – canto de natureza coral, intenso e apaixonado, composto de uma esfera narrativa, declamada pelo cantor mais importante do grupo, também chamado corifeu, e de uma parte coral, interpretada por personagens caracterizados como faunos e sátiros, conhecidos seguidores de Dionísio -, que são considerados precursores do teatro grego.
Desta forma, a catarse pode ser vista como pacificação e exaustão de forças embriagadoras e insanas que são invocadas pela tragédia, que por sua vez tem em sua raiz justamente esse mecanismo ritualístico herdado dos ditirambos criados para homenagear Dionísio, os quais evoluíram para a modalidade trágica. Com a decadência da literatura greco-romana, a catarse foi herdada por outros estilos poéticos, assumindo novas formas conforme a evolução histórica da poética.

A Tragédia Grega


A tragédia é a imitação de uma ação séria e concluída em si mesma... que, mediante uma série de casos que suscitam piedade e terror, tem por efeito aliviar e purificar a alma de tais paixões.
                                                                                       Aristóteles


                                                                                         

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Rádio e Filosofia

Eu sempre adorei escutar rádio, especialmente entrevistas, comentários sobre literatura, história e filosofia. Há algum tempo acompanho uma rádio francesa que tem programas sobre Literatura, Filosofia, Teatro, História, e debates culturais assaz interessantes.
Infelizmente, no Brasil temos poucas rádios com uma programação interessante e agradável, a maioria delas estão submetidas à mediocridade, e uma parece ser cópia da outra. Um exemplo básico, é que ninguém aguenta mais dirigir especialmente em horário de pico, e escutar notícias sobre o trânsito, obviamente isso é importante, porém se você já está estressado no trânsito, talvez queira escutar algo diferente, interessante. Nessas horas por falta de um assunto interessante, o melhor é colocar seu mp3 e escutar uma música agradável.

Sem contar as rádios de notícias, algumas têm muito mais vinheta que programação. Escutar a CBN, por exemplo chega a ser irritante, é muita vinheta e pouco conteúdo. Quando há entrevistas, é tudo muito rápido, e superficial. A busca incessante pelo ibope, faz com que algumas emissoras repitam à exaustão notícias requentadas e batidas do dia, ao invés de transmitir uma entrevista sobre literatura com calma por exemplo.
Radio France International

Obviamente, que comparar o Brasil, com um país que tem uma tradição filosófica tão forte como a França, chega a ser um absurdo. Aqui a cultura é ficar ruminado no ar tiroteios, chacinas, escândalos, corrupção, etc...Quando na verdade, seria muito interessante poder escutar uma programação diferente, com historiadores, filósofos, críticos de arte, etc..Já estamos cansados de âncoras pedantes e superficiais , que falam sobre tudo e não compreendem nada.
Infelzmente, boa parte das emissoras FM em São Paulo estão se tornando evangélicas, outras, tocam músicas pop de quinta categoria, e nas rádios AM, com aquela programação futebolística para alienar as pessoas. Quero deixar claro que eu não tenho nada contra esse tipo de programação, mas é preciso que haja outras alternativas, uma maior variedade de opções.
Quem sabe daqui alguns anos, os produtores de rádio, tenham uma visão mais ampla da importância do rádio para a nossa sociedade, e que o importante não é apenas ficar repetindo à exaustão tiroteios, invasão a morro, chacinas ou o novo casamento da Gretchen. Mas o mais importante é educar o cidadão, trazendo comentários sobre política com uma abordagem filosófica, sobre literatura, história etc...
Por essa razão, eu sou totalmente a favor que um jornalista não necessite ter uma formação acadêmica e um diploma, porque o que vemos de jornalistas abaixo da linha da mediocridade nesse país, que pensam que podem comentar tudo com propriedade, quando na maioria das vezes nem têm domínio sobre o assunto que estão falando. Eu penso que se o programa é sobre Política, nada melhor que um cientista político para comentar e fazer uma análise, o mesmo se o assunto é história, um historiador, filosofia um filósofo.

Para escutar France culture, eis aqui o link:

http://www.franceculture.com/



Rádio e Filosofia

Filosofia e rádio


Eu sempre adorei escutar rádio, especialmente entrevistas, comentários sobre literatura, história e filosofia. Há algum tempo acompanho uma rádio francesa que tem programas sobre Literatura, Filosofia, Teatro, História, e debates culturais assaz interessantes.
Infelizmente, no Brasil temos poucas rádios com uma programação interessante e agradável, a maioria delas estão submetidas à mediocridade, e uma parece ser cópia da outra. Um exemplo básico, é que ninguém aguenta mais dirigir especialmente em horário de pico, e escutar notícias sobre o trânsito, obviamente isso é importante, porém se você já está estressado no trânsito, talvez queira escutar algo diferente, interessante. Nessas horas por falta de um assunto interessante, o melhor é colocar seu mp3 e escutar uma música agradável.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Moisés Maimônides e a Ética judaica.



Desde a minha infância, sempre tive grande apreço pela cultura judaica. Mesmo tendo uma família de origem latina cristã-católica, sempre fui entusiasta da cultura hebraica, sempre ávido em conhecer melhor essa cultura tão forte e impressionante que é altamente relevante ao Ocidente. Nossa cultura ocidental está profundamente marcada pelo cristianismo, religião que tem sua origem profundamente atrelada ao judaísmo, bem como a nossa ética, e o nosso direito, que mesmo tendo grande influência romana e germânica, devido ao reino visigótico, povo de origem germânica que se estabeleceu em Portugal após a queda do império romano, e contudo todo o direito ocidental bebeu da fonte da Torá dos judeus, isso é incontestável.


Eu também sempre apreciei a fantástica inteligência judaica, nem preciso mencionar o grande número de prêmios Nobel que os judeus têm em suas estantes, bem como o número de intelectuais e cientistas judeus que mudaram a história das ciências, da Filosofia, enfim, qualquer pessoa com o mínimo de boa vontade perceberá que o povo judeu tem um diferencial em termos de educação e pedagogia.



Uma vez lendo uma versão em francês do “Le livre de la connaissance”, de Moisés Maimônides, tive a vontade de fazer o meu trabalho de conclusão de curso( Curso de Filosofia) sobre esse filósofo judeu. Na verdade, pensei em fazer sobre sua metafísica, e comecei a coletar um material considerável, mas logo comecei a me interessar pela pedagogia judaica, como se dá a erudição dos jovens judeus. Mas um ano depois decidi mudar o tema, ou seja, continuei com Moisés Maimônides, mas decidi fazer o trabalho de conclusão de curso com o seguinte tema, “ A Ética judaica em Moisés Maimônides.

O grande Moisés Maimônides

Moisés Maimônides, ou também conhecido pela alcunha de Rambam, cujo nome em hebraico é רבי משה בן מיימון, já a tansliteração seria Moshê Ben Maimon, nasceu a 30 de marco de 1135 em Córdoba, Espanha, ou seja, nasceu na época em que algumas cidades do sul da Espanha estavam sob o domínio mulçumano. Mas é preciso salientar que o sul da Espanha e da França foram invadidos em 711 pelos mouros, que em acordo com os visigodos se instalaram ao sul, e fizeram uma grande campanha de proselitismo para converter os ibéricos e franceses do sul. Ao contrário do que muita gente acredita, a grande maioria , ou melhor quase a totalidade dos muçulmanos da Espanha eram os próprios habitantes da Espanha , e não árabes, que outrora eram cristãos, mas seguiam a heresia de Ário, o arianismo, que era muito comum na Espanha e França da época, o arianismo não aceitava a divindade de Cristo, por isso segundo alguns historiadores muitos espanhóis se converteram em massa ao Islamismo naquela época.
No judaísmo, não há a ideia de pecado original.

A principio, o que mais me chamou atenção foi o fato de não haver o conceito de pecado original no judaísmo, pois eu nunca havia me questionado sobre esse fato, acho que muitos cristãos têm essa noção, mesmo que de forma inconsciente. para os judeus, os homens não nascem nem bons nem maus. Sendo assim, no cristianismo, a ideia de pecado original traz consigo a concepção que o individuo já nasce corrompido e é portador da mácula que é o pecado original.
 Para os cristãos, não há como remover esses pecados sozinhos, mas somente com a morte e sacrifício de Jesus, como expiação por todos os pecados da humanidade. Ou seja, para os cristãos não há outra forma de salvação a não ser por Jesus. 
 Em contrapartida, já que no judaísmo não há a ideia de pecado original. A visão judaica é que os seres humanos não nascem naturalmente bons ou maus. Todo indivíduo tem inclinações boas e más, mas tem também o livre-arbítrio moral para escolher o bem, e esse livre-arbítrio moral para o bem pode ser mais poderoso do que a inclinação para o mal.
 Na verdade, a ética judaica traz consigo a ideia de que os seres humanos decidem por si mesmos como agir. Isso é assim porque a inclinação para o mal e a possibilidade de pecado inerente à mesma permitem que as pessoas escolham o que é bom e, assim, obtenham mérito moral. A visão judaica não é a que as pessoas estão indefesas diante do equívoco moral e dependem de terceiros para serem salvas.
O judaísmo entende que os seres humanos foram dotados de recursos para que sejam capazes de optar pelo bem quando se deparam com uma situação em que há inclinações para o bem e para o mal. Assim, têm a possiblidade de aprender com os próprios erros e evoluir moralmente.

Em seus escritos éticos, em dois capítulos Maimônides retoma a figura do Messias de Israel. No capítulo “Leis sobre o arrependimento” e “ A Lei dos Reis e suas guerras”. Devemos nos recordar, que Maimônides está em franca idade média, e obviamente os escritos de Platão já foram disseminados por todo o Ocidente, então podemos notar que a figura messiânica que o Rambam esboça em sua obra, guarda certas semelhanças com ideal Platônico do filósofo-rei , podemos fazer uma analogia com a ideia de Estado perfeito de Platão. No VI capítulo da “República” de Platão, em um diálogo entre Sócrates e Glauco, o mestre de Platão afirma que os reis, os governantes e todos os representantes políticos, devem ser filósofos, para que assim o Estado real possa se transformar em ideal.

O Messias preconizado pelo judaísmo, é a sabedoria de Deus, a palavra de Deus, o nome Cristo em grego, vem da tradução do hebraico Messiach, que significa , ungido. Assim é necessário enfatizar, que embora, os cristãos tenham em Jesus de Nazaré, nascido judeu, o messias de Israel, os judeus ainda acreditam que o verdadeiro Messias de Israel está por vir.

A figura do Messias de Israel contém praticamente todos os atributos do Filósofo-rei, com algumas diferenças. Podemos dizer, que a figura do Rei de Israel, o messias prometido ao povo escolhido, não apenas ama a sabedoria, mas é a própria sabedoria, não apenas ama a verdade, mas é a própria verdade. O messias, aquele que vem para se assentar no trono de Davi é a própria virtude de Deus, totalmente apto e pleno para governar.
O grande Rei Davi


Na história de Israel, nenhum rei pôde ser tão perfeito, e modelo de virtudes tão completas, que mereça ter destaque como a figura do messias, que no caso dos judeus , ainda está por vir. Sim, Davi outrora foi um grande rei para os judeus, mas não possuiu jamais virtudes tão elevadas e não legou exemplos tão relevantes dos quais podem ser mencionados como dignos de perfeição.
 Eis aqui então a grande diferença da concepção do messias na tradição judaica e cristã. Enquanto que na tradição judaica o messias é descendente de Davi, e é apenas um legislador enviado por Deus, para o cristão, o messias é o próprio Deus encarnado que vem ao mundo para salvar os pecadores, e voltará para governar o seu povo eleito eternamente.
O messias dos judeus, será um ser humano normal, Descendente do Rei Davi, nascido de pais humanos. Consequentemente, é possível que até já tenha nascido, e ele profetizará a paz mundial. Semelhantemente, o Messias será mortal. Finalmente, morrerá e deixará seu reino como herança para seu filho ou sucessor.
 O Messias será o maior líder e gênio político que o mundo já viu. E, igualmente será o homem mais sábio que já existiu. Usará seus talentos extraordinários para precipitar uma revolução mundial que trará a justiça social perfeita para a humanidade, e influenciará todas as pessoas a servirem a Deus com coração puro. Ainda sobre os feitos messiânicos, Maimônides diz:
O Messias não se deixará iludir pela falsidade e hipocrisia deste mundo. Terá o poder para entender o espírito da pessoa, conhecendo assim, seu registro espiritual completo podendo então julgar se é culpado ou não. Com relação a este poder, está escrito, "Terá o deleite pelo temor a Deus; não julgará pelo que seus olhos veem, ou repreenderá pelo que seus ouvidos ouvem" (Isaías 11:3). Este é um sinal pelo qual o Messias será reconhecido. Porém, similarmente como o presente da profecia, este poder se desenvolverá gradualmente.
Nas áreas da lei e da filosofia judaica, as contribuições de Maimônides ao pensamento judaico são ímpares. Seu comentário à Mishná, Mishnê Torah e o Guia dos perplexos são cada qual um marco na história do pensamento judaico. De fato, a extensão da influência de Maimônides sobre eruditos de épocas posteriores, talvez seja melhor expressa pelo dito que está gravado sobre sua tumba :”De Moshê ( Moisés) a Moshê ( Maimônides), nunca houve ninguém como Moshê”. Tamanha a importância que é atribuída a Maimônides, a tal ponto de haver a comparação com o patriarca Moisés.
São Tomás de Aquino
Em suma, toda a importância de Maimônides na Ética judaica, foi a síntese e a explanação de toda a ética não apenas da Torá, mas de toda a tradição oral e escrita de forma clara e objetiva não apenas aos eruditos, mas aos leigos judeus e gentios.
Obviamente, aqui eu apenas pontuei alguns pontos qeu eu abordei sobre a ética de Moisés Maimônides, e é tão complexo e tão extenso que eu acho melhor comentar dois aspectos, sobre a figura do Messias e seu governo e também sobre a concepção de pecado original que é inexistente no judaísmo, o que já dá ao judaísmo, uma concepção ética deiferente do cristianismo. Então, deixei de lado outros aspectos não menos interessantes, como o caminho do meio, que talvez eu venha a abordar futuramente.


 Maimônides deixou um legado considerável tanto para a Filosofia judaica, como também para a Medicina. Graças a ele, a filosofia de Aristóteles foi aceita na Europa. Como Sabemos a tradução da obra aristotélica foi introduzida na Europa pelos árabes. Mas depois de Avicena e Aveirrós, Maimônides, foi o primeiro a tentar conciliar a fé judaica com a filosofia aristotélica, o que justamente Tomás de Aquino fez posteriormente no Cristianismo.
No último capítulo do meu trabalho, eu fiz uma breve analogia entre a figura do messias de Maimônides e do Filósofo rei de Platão.
No judaísmo, a concepção de um Messias remonta à promessa que Deus fez a Moisés, a qual suscitaria entre aquele povo escolhido, um profeta que o povo deveria escutá-lo e seguir os seus ensinamentos. Porém a promessa messiânica vem à tona, em diversas passagens bíblicas, especialmente no livro dos profetas.
No judaísmo não há a crença que as pessoas não-judias( goym, ou gentios) irão automaticamente para o inferno ou que os judeus irão automaticamente para o céu somente por pertencerem a uma ou outra religião . Em vez disso, o que realmente conta é a conduta ética individual. Muitos judeus tradicionais acreditam que o judaísmo fornece o melhor guia para conduzir essa vida ética.


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Bate bola Filosófico

A compreensão da Religião em Marx:

Karl Marx
Para começar é preciso salientar que o Marxismo histórico é baseado no materialismo filosófico que nega a existência de qualquer ser sobrenatural ou que esteja externo à natureza. É de conhecimento de todos, a frase que já se tornou clichê atribuída a Marx e de fato de sua autoria que diz que a religião é o ópio do povo.
A religião é o que Marx chama de falsa consciência, porque dirige a nossa compreensão para fora do mundo real, âmbito este do qual nada se pode saber e muito menos fazer perguntas,. Dessa forma Marx traz um conceito importante relativo à religião, a alienação religiosa.
Para Marx, a religião é uma consciência errônea do mundo, tirando assim a atenção ao nosso mundo, para um outro mundo, o além. Dessa maneira a religião age como um calmante, e deixa o povo em estado “letárgico”, tornando-se o ópio do povo. Gerando também o comodismo, porque o povo hipnotizado e com uma falsa superação da miséria, deixa de lado sua força de revolta.
A religião na concepção de Marx, nada mais é do que a projeção do ser do homem em um mundo ilusório. A religião anula o ser e faz dele um ser passivo, sujeito predicado. Marx conclui, que sendo a religião reflexo espiritual da miséria real do homem numa sociedade opressora, a superação da religião se dará só pela crítica intelectual. Para eliminar a alienação religiosa é preciso eliminar todas as condições de miséria que a originam.
Para Descartes, Deus é uma substância em sentido legítimo. Disserte considerando o argumento ontológico, o eu e a res extensa.

René Descartes

O argumento ontológico pode ser resumido da seguinte maneira. Considerando que dentro de mim há a ideia inata de Deus devo concluir que não fui eu que o criei, pois sou ser finito. Por outro lado, não posso deduzi-la do mundo exterior, que também é finito. Este não pode ser causa do infinito. Descartes, conclui por aí que a ideia de Deus ou do Ser infinito, que está em nós, deve ter por causa o próprio Deus. Portanto, Deus existe. A ideia inata é como a marca que o operário ou artesão imprime em sua obra. Aqui Descartes, de certa forma, retoma o argumento ontológico de Santo Anselmo de Cantuária: “Deus quo maius cogitari non possit”. Admite que é impossível pensar a Deus como ser perfeitíssimo sem pensa-lo necessariamente existente. Deus existe em virtude de sua própria essência.


As três substancias para a Metafísica moderna são: Deus, a extensão e o eu. Como Descartes, Hume , Berkley e Hobbes compreendem e relacionam as três substância ?

Descartes dá a seguinte explicação para a existência de Deus, é que nenhum ser imperfeito ou finito, sendo igual ao homem, poderia ter produzido a ideia de um ser infinito e perfeito; somente Deus poderia ter revelado isto ao homem, como "a marca do artista impressa em sua obra". Portanto, conclui no "Discurso sobre o Método", a idéia de Deus implica a real existência de Deus.
Voltando então à ideia clara, distinta e inata da extensão. Se a percepção que temos da extensão não correspondesse a uma realidade extensa, isso significaria que o espírito humano estaria sempre errado, e então essa ideia de extensão seria obra de um gênio maligno, incompatível com a ideia de um Deus bom e verdadeiro. Se Deus existe como ser perfeitíssimo, Ele é bom e verdadeiro; não pode permitir o erro sistemático do espírito humano. Porque Deus é perfeito, Ele é bom, e então a imagem do mundo exterior não é uma ficção. Eu tenho a certeza de que penso, e de que indubitavelmente existo porque sou essa coisa que pensa e  Deus é a garantia de que aquilo que penso deveras existe como coisa física. Portanto, as ideias claras e distintas correspondem de fato à realidade - elas não são a armadilha de um gênio enganador e perverso. Portanto, através do cogito, Descartes chega a Deus e só depois conclui a existência do “eu”, que primeiramente tem sua certeza na alma, e só depois se dá a descoberta do corpo.
David Hume

Hume procurou mostrar que os tradicionais argumentos para existência de Deus (o argumento ontológico, o cosmológico, e o teológico, ou do desígno) eram inconvincentes e que, portanto, não existia justificação lógica e racional para se acreditar que Deus - O Deus do cristianismo tradicional - existisse: a crença em sua existência seria, portanto, gratuita. discutir o problema do mal Hume sugeriu que a existência do sofrimento no mundo é incompatível com a existência do Deus do cristianismo tradicional, isto é, com a existência de um ser que tudo sabe e pode e que também é infinitamente bom. Se este argumento for aceito a crença em Deus deixa de ser simplesmente gratuita e torna-se irracional a menos que se negue a existência do mal e do sofrimento do mundo. Assim sendo, após tentar destruir os argumentos para existência de Deus Hume apresenta um argumento para não existência desse mesmo Deus.
Berkley


Para Berkeley. As únicas coisas com existência efetiva são Deus e os espíritos humanos. Ele dizia que não devemos discutir coisas das quais não temos ideias. As ideias são palavras com significado. O conhecimento gira em torno das ideias. “Todas as idwias vem de fora ou de dentro, as de dentro são pensamentos” . A percepção é uma recepção passiva. Em suma, Berkley quer dizer que o “eu” só conhece através de Deus, por ser participante, já que Deus é a grande mente cognoscente.



Thomas Hobbes


 
Já Hobbes não admite nenhum conhecimento de Deus. Na verdade Hobbes não admite a concepção da ideia do infinito. Para ele os seres humanos e todos as outras criaturas particulares são objetos finitos da natureza. Ou seja “eu” os homens, não podemos conhecer o infinito, pois todo conhecimento é originado pela relação dos órgãos dos sentidos com as coisas que a eles se apresentam. Sendo todo corpo finito, por definição, e ocupando um lugar no espaço, por isso podemos percebê-lo. O infinito por sua vez,é ilimitado, portanto não podemos conhece-lo, logo se a concepção de Deus é de um ser infinito, o homem de fato, não o pode conhecer.

Berkley. Disserte considerando: Eu, Deus, a extensão, impressões e percepções.

Para o( Eu) homem, não há nada fora da mente. as coisas são modos de existência das pessoas. O mundo está ligado ao pensamento. Nós temos idéias dentro das quais vemos as coisas. O homem não percebe a coisa em s , a essência, aquilo que ele percebe são apenas as idéias.
Berkeley nega que fique alguma coisa,se tiramos do objeto todas as suas qualidades, tanto as primárias (extensão, consistência) como as secundárias (cores, sons, etc), considerando-as produto de nossos sentidos. E como as qualidades dos corpos dependem da nossa mente, então não podemos atribuir aos corpos mesmos a atividade de causar sensações em nós. Então, para Berkeley, é Deus que causa em nós as impressões. O que pensamos serem corpos não tem existência real, existem apenas como impressões em nossa mente.
A percepção é um conjunto de sensações. Como só há ideias simples, devemos nos concentrar nas sensações. As idéias secundárias só existem na mente, bem como tempo e extensão. Não há existência objetiva. Nós nos movemos e existimos em Deus.

A Religião em Hegel. Disserte considerando: a consciência infeliz; o ato de fé como antecipação filosófica do momento da razão; a religião como momento necessário para que o Espírito absoluto adquirir a certeza de ser toda a realidade, a religião como rigidez do intelecto ( Deus x homem, infinito x finito, mutável x imutável ): e por fim, o momento dialético onde o infinito é o finito e vice-versa.
Hegel

1-      A consciência infeliz
A oposição entre a finitude do homem e o pensamento do infinito é essencial para a caracterização da consciência infeliz hegeliana, pois o pensamento do infinito só se realiza através da finitude humana. A realização da verdade só é possível, assim, na História onde o Espírito se manifesta. Segundo Hegel, arte, religião e ciência conciliam Idéia e Forma na História de acordo com as características de cada povo histórico universal. Nesse sentido, por exemplo, a arte consegue realizar essa conciliação imediata na Grécia Antiga, momento feliz da História. Entretanto, a arte não tem essa possibilidade de realização na modernidade, pois as necessidades do espírito são outras, não se encontram na sensibilidade, mas na razão, assim, somente a razão teria a condição de realizar essa reconciliação do espírito. A arte continuou buscando em vão essa reconciliação, sendo o romantismo expressão moderna fragmentada dessa impossibilidade, pois manifesta na própria arte a necessidade da filosofia. A consciência infeliz da realização infinita do pensamento na finitude humana se manifesta historicamente, sendo a arte romântica expressão disso.
Hegel pensa a fé, o culto e a devoção não a partir do homem, mas a partir de Deus. A fé não é para ele, a maneira mais elevada de o homem ter certeza de Deus, pois esta pertence à Filosofia. Ou seja, a fé antecede a razão, e Hegel a define como “ A consciência da verdade absoluta, aquilo que Deus é em si e per si e para si”, seria o testemunho do espírito sobre o espírito absoluto. Hegel chega até afirmar que a Filosofia se justifica pela devoção e pelo culto, pois a elevação religiosa pertence ao fundamento da experiência de filosofar. O espírito é todo a partir do qual Deus e homem, ambos espíritos , se tornam compreensíveis. Cabe à religião marcar o segundo momento do devir do Espírito absoluto, dessa forma chegamos a  toda a certeza da realidade.
A reflexão de Hegel distingue finito e infinito. Sem o infinito, o finito desaparece o finito. Este é superado, pois o finito não seria mais infinito, se fora dele houvesse um finito, que o limitasse. Na religião tal contradição manifesta-se, segundo Hegel nos seguintes termos: “ A oposição é absoluta, e enquanto eu sou, Deus não é, e quando Deus é desaparece o eu finito, eis a relação Deus x homem.
O momento dialético onde o finito é o infinito e vice-versa dessa situação, segue-se que cada um, finito e infinito, só é o que é porque existe o oposto, e o mesmo se dá com o mutável e imutável.. Cada qual sobre o seu aspecto se funda no outro.





 

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A Filosofia Agostiniana







Uma das maiores personalidades da história universal, Santo Agostinho foi um grande retórico, um grande filósofo e um grande santo da Igreja. Sua obra, ao mesmo tempo vasta e profunda, exerceu e exerce muita influência em toda a cultura ocidental.


A sua vida, muito conhecida, torna-o inteligível também para muitos não-cristãos. Retórico, homem do mundo, carnal, fez um longo esforço para encontrar a chave da inquietação que o devorava. Primeiro maniqueu, depois platônico, finalmente convertido, num célebre momento que ele mesmo contou com um gênio inimitável.
Depois da conversão, e sem pretendê-lo, é ordenado sacerdote. Chega ao episcopado da mesma maneira. E desde esse momento, no meio de muitas vicissitudes críticas, carrega sobre si grande parte da responsabilidade da Igreja; assim, por exemplo, no auge da heresia de Pelágio ouem face do cisma dos donatistas. No momento da sua morte, é todo um símbolo. Morre em Hipona quando os vândalos sitiavam a cidade. Com ele, morre a cultura antiga e nasce outra nova. Porque Santo Agostinho foi um homem do seu tempo. Versado em todas as artes clássicas, foi sempre um retórico de grande habilidade, jogando com as palavras num malabarismo que conseguia sempre escapar à superficialidade. Diríamos que o seu pensamento é tão profundo que supera as habilidades do retórico.
Inicialmente, escreve filosofia, porém mais tarde dedica as suas forças à pregação, sem descuidar uma enorme correspondência. Escreve também muitos tratados teológicos, de exegese bíblica, etc.



Não citaremos aqui as obras teológicas; limitar-nos-emos às de caráter filosófico: Contra Acadêmicos, crítica do ceticismo; De beata vita, sobre a felicidade; De ordine, sobre a origem do mal: os Coliloquia, um apaixonado diálogo consigo mesmo sobre a imortalidade da alma; De immortalitate animae; De quantitate animae, sobre a mesma questão; De magistro, sobre a educação com um enfoque psicológico.
Santo Agostinho não construiu um sistema filosófico completo, ainda que as idéias básicas se mantenham constantes e acusem um claro predomínio platônico. Ele mesmo nos conta que começou a ler uma obra de Aristóteles e não pôde prosseguir. Talvez o tenha afastado o estilo entrecortado, desencarnado, a falta dessa alma que Santo Agostinho buscava em tudo. Santo Agostinho não parece feito para encerrar a realidade em categorias. A sua reflexão parte sempre da vida: das coisas que se passam ao seu redor, das idéias dominantes, dos ataques contra a fé, da interioridade da sua alma.
A Busca da Verdade

A filosofia agostiniana é uma constante busca da verdade, que culmina na Verdade, em Cristo. É um movimento incessante, uma paixão, e, precisamente, a paixão principal: o amor. “Amor meus, pondus meum”, o amor é o peso que dá sentido à minha vida. Verdade e Amor.“Fizeste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em Ti”, diz nas Confissões.
Essa “passionalidade” da filosofia agostiniana não é em nenhum momento irracionalismo ou voluntarismo. Se incita a ter fé para entender, também anima a entender para crer melhor. Nada nos pode fazer duvidar da possibilidade de chegar à verdade. Nada valem os argumentos céticos. Si fallor, sum: se me engano, é uma prova de que sou, diz, antecipando-se, num contexto muito diferente, a Descartes. E com mais clareza: “Sabes que pensas? Sei. Ergo verum est cogitare te, logo é verdade que pensas”.
A verdade está no interior do homem. “Não queiras sair para fora; é no interior do homem que habita a verdade”. E há verdades constantes, inalteráveis, para sempre. Dois mais dois serão sempre quatro. Santo Agostinho tenta esclarecer de onde pode vir essa verdade. Não das sensações, diz, porque essas são e não são, são mutáveis, efêmeras. Tampouco do espírito humano, que, por profundo que seja, é limitado. Essas verdades eternas só podem ter por autor Aquele que é eterno: Deus. São reflexos da verdade eterna, que nos ilumina e nos permite ver. Nisso consiste o que depois ficou conhecido como “doutrina da iluminação”; porém, desde já é preciso dizer que Santo Agostinho não a apresenta nunca como uma “teoria”, mas como uma comprovação. Já no final da sua vida, diz nas Retractationes que o homem tem em si, enquanto é capaz, “a luz da razão eterna, na qual vê as verdades imutáveis”.
Como em Platão, conhecer verdadeiramente é estar em contato com o mundo inteligível. Porém, Santo Agostinho nunca dirá que vemos as verdades em Deus, mas que participamos da luz da razão eterna. Não se deve ignorar, por outro lado, que essa solução para o tema do conhecimento corre o risco de não distinguir de forma adequada o conhecimento natural do conhecimento sobrenatural. Mas essa é uma questão que só será levantada mais tarde, na Idade Média.
 A busca de Deus

Em Santo Agostinho, não existem provas formais para demonstrar a existência de Deus. Ainda que toda a sua obra seja uma espécie de itinerário em direção a Deus. Tudo fala de Deus; basta abrir os olhos. Ele é intimior intimo meo, mais íntimo ao homem que a própria intimidade humana. As coisas falam-nos todo o tempo de Deus. Perguntamos-lhes: “Sois Deus?” E respondem: “Não, fomos feitas. Continua a buscar”. De forma retórica – retórica de grande qualidade –, encontramos aí a prova da existência de Deus pela contingência das realidades humanas. A mutabilidáde exige o imutável; os graus de perfeição exigem o Ser perfeito. Em Santo Agostinho, como em outros filósofos de inspiração platônica, está claramente formulado o que será a quarta via de São Tomás de Aquino.
Qual é o melhor nome para Deus? O que se lê no Êxodo: “Aquele que é”. “Non aliquo modo est, sed est est” (Confissões). Santo Agostinho dará com freqüência a Deus o nome de Bem, de Amor, porém não desconhece que antes de tudo Ele é; e porque é o que é, é Amor, Bem, Infinito. São Tomás de Aquino não precisará modificar nada de substancial nesta metafísica agostiniana. Como exemplo das dezenas de textos agostinianos, temos este, das Confissões: “Eis que o céu e a terra são; e dizem-nos em altos brados que foram feitos, pois modificam-se e variam. Porque, naquilo que é sem ter sido feito, não há coisa alguma agora que antes não houvesse: que isso é modificar-se e variar. O céu e a terra clamam também que não se fizeram a si mesmos: somos porque fomos feitos; não éramos antes que fôssemos, de modo a termos podido ser por nós mesmos. Basta olhar para as coisas para ouvi-las dizer isso. Tu, Senhor, fizeste essas coisas. Porque és belo, elas são belas; porque és bom, são boas; porque tu és, elas são.”
Esta última afirmação (quia est: sunt enim) significava a definitiva superação por parte de Santo Agostinho do essencialismo platônico. Deus é causa do ser das coisas, porque é o Ser por essência. Se a fórmula de Santo Agostinho não é essa, a idéia é.

A Criação de Deus

Outro texto das Confissões situa de forma inequívoca a metafísica da criação: “Que eu ouça e entenda como no princípio fizeste o céu e a terra. Moisés escreveu isso; escreveu-o e ausentou-se. Daqui, onde estava contigo, passou a estar contigo, e por isso não o podem ver meus olhos. Se estivesse aqui presente, eu o agarraria, lhe rogaria e, por Ti, lhe suplicaria que me explicasse essas coisas [...]. Porém, como saberia que estava a dizer-me a verdade? A própria verdade, que está no interior da minha alma, e que não é grega, nem latina, nem bárbara, nem necessita dos órgãos da boca ou da língua, nem do ruído de sílabas, me diria: Moisés diz a verdade, e eu, no mesmo instante, com toda a segurança lhe diria: Verdade é o que me dizes”.
Voltemos à questão anterior. Deus é Aquele que é; as coisas são criadas. Deus é quem lhes deu o ser. Por quê? Por pura bondade. “Porque Deus é bom, somos.” A razão da criação é a bondade de Deus. Deus não pode ter, no seu querer, outro fim que não o seu próprio ser. Só em relação a si mesmo pode querer mais. A criação é gratuita. Não há nada preexistente. Santo Agostinho acaba com as dúvidas de Orígenes e com o universo grego, eterno.
Deus cria todas as coisas do nada. E todo o criado é composto de matéria. Santo Agostinho, que durante tanto tempo não conseguiu conceber uma substância espiritual, não deixa de atribuir uma certa materialidade mesmo às criaturas espirituais, aos anjos. A absoluta imaterialidade só cabe a Deus. Em Deus estão as idéias exemplares de todas as coisas, que são as formas. Ao criar, essas idéias ficam limitadas pela matéria, mas, ao mesmo tempo, nessa matéria já estão os germes de tudo o que será: as rationes seminales.
Santo Agostinho retoma aqui uma doutrina de origem estóica e, ao mesmo tempo, faz uma concessão ao “materialismo” que professou durante anos, embora talvez seja melhor empregar o termo de “corporeismo”.

O Enigma do Homem:

“O homem que se espanta é ele mesmo grande maravilha”. “E dirigi-me a mim mesmo e disse: Tu quem és? E respondi-me: Homem. E eis que tenho à mão o corpo e a alma, um exterior e o outro interior. Porém, melhor é o interior”. “O homem é um ser intermediário entre os animais e os anjos”. “Nada encontramos no homem além de corpo e alma; isso é todo o homem: espírito e carne”. Essas são apenas algumas das numerosas referências que poderíamos dar sobre esta questão crucial. São os dois grandes temas agostinianos: “Deus e o homem”. “Que te conheça a ti e que me conheça a mim mesmo”. É o famoso princípio dos Soliloquia: “Quero conhecer Deus e a alma. Nada mais? Absolutamente nada mais”.
Também nesta questão Santo Agostinho trai a influência do platonismo. O homem é uma alma que usa um corpo; ou, uma alma racional, que se serve de um corpo terrestre e mortal; ou, “uma alma racional que tem um corpo”. Tudo indica que, para Santo Agostinho, o homem é a alma. E, contudo, há textos que parecem fugir ao platonismo: “Porque o homem não é só corpo ou apenas alma, mas o que é constituído de alma e de corpo. Esta é a verdade: a alma não é todo o homem, mas é a melhor parte do homem; nem todo o homem é o corpo, mas a porção inferior do homem; quando as duas estão juntas, temos o homem” (A Cidade de Deus). A questão ainda está sujeita a discussão, mas exagerou-se demais o platonismo de Santo Agostinho neste particular. De qualquer forma, Santo Agostinho supera a desvalorização do corporal, tão essencial no platonismo e no neoplatonismo. O corpo é matéria, criação de Deus, e por isso, bom. Não é o cárcere nem o túmulo da alma: “Não é o corpo o teu cárcere, mas a corrupção do teu corpo. O teu corpo, Deus o fez bom, porque Ele é bom”. Também aqui poderíamos multiplicar os textos: “Todo aquele que quer eliminar o corpo da natureza humana desvaira”. E de forma inequívoca, numa obra tardia, o Sermão 267: “Perversa e humana filosofia é a dos que negam a ressurreição do corpo. Alardeiam serem grandes depreciadores do corpo, porque crêem que nele estão encarceradas as suas almas, por delitos cometidos em outro lugar. Porém, o nosso Deus fez o corpo e o espírito; de ambos é o criador; de ambos o recriador”.
Examinemos uma dificuldade classicamente agostiniana. Deus é o criador da alma, mas como a criou? Com os nascimentos surgem constantemente homens, isto é, corpo e alma. Será que as almas estão nas “razões seminais”, na matéria, e são transmitidas pelos pais, na geração? Santo Agostinho assim o pensou por certo tempo, mas depois recusou que algo espiritual pudesse surgir da matéria. Pensou na criação imediata por Deus de cada alma, mas esse início no tempo de algo espiritual não combinava com o que ainda restava de platonismo nele. Acabou confessando que não sabia o que dizer. Era mais um elemento desse enigma que é o homem.
Fica claro que a alma é imortal, porque conhece as verdades imortais e eternas. Que conheçamos o que seja a verdade e que nunca deixará de sê-lo é, para Santo Agostinho, evidente. Como pode morrer ou desaparecer o que é a sede do indestrutível?
A alma será sempre um mistério. Muitas outras realidades sobre as quais pensamos também o são. O tempo. É famoso o dito agostiniano: “Se ninguém mo pergunta, sei; mas se quero explicá-lo a quem mo pergunta, não o sei”. Depois de uma análise do passado, do presente e do futuro – até hoje não superada –, Santo Agostinho concluí: “Não se diz com propriedade «três são os tempos: passado, presente e futuro»; talvez fosse mais apropriado dizer: «presente das coisas futuras, presente das coisas passadas, presente das coisas presentes». Porque essas três presenças têm algum ser na minha alma, e é somente nela que as vejo. O presente das coisas passadas é a memória; o presente das coisas presentes é a contemplação; o presente das coisas futuras é a expectação” (Confissões). O tempo é, assim, distensio animi, “uma espécie de extensão da nossa alma”. É preciso ler ao menos esse livro XI das Confissões para captar o tom da filosofia agostiniana: incerta às vezes, nada dogmática, em diálogo constante com Deus.

A Cidade de Deus:

A Cidade de Deus é mais uma das grandes obras universais que Santo Agostinho legou à humanidade. Mas poucos escritos têm sido tão mal lidos, tão mal interpretados. A oposição entre Cidade de Deus e Cidade terrena foi vista como oposição entre Igreja e Estado. Nada mais falso. O texto célebre não deixa lugar a dúvidas. Dois amores criaram duas cidades: o amor próprio, que leva ao desprezo de Deus, a terrena; o amor de Deus, que leva ao desprezo de si mesmo, a celestial. Ou: “Dividi a Humanidade em dois grandes grupos. Um é o daqueles que vivem segundo o homem; o outro, o dos que vivem segundo Deus. Damos misticamente a esses dois grupos o nome de cidades, que quer dizer sociedades de homens”.
A prova fundamental de que essa divisão não é equivalente à divisão Igreja-Estado é a afirmação taxativa de que na Igreja podem existir homens que, na realidade, pertencem à cidade terrena; e, inversamente, entre as pessoas que ainda estão fora da Igreja podem-se encontrar predestinados à cidade celestial. Por outro lado, essas duas “cidades” acham-se misturadas, imbricadas. A “peneira” será feita só no final de cada história pessoal e no final da história de todo o gênero humano. Enquanto transcorre o tempo, com as suas variações, “porque não em vão são tempos”, a história é complexa. Não existe uma “lei da história”, não conhecemos o futuro. Só Deus conhece o final; o homem move-se às apalpadelas no campo da história. A história forma como que um belo poema, no qual intervêm Deus e o homem. O final só será conhecido quando soar a última nota.
Em uma palavra: a concepção de história é, em Santo Agostinho, uma concepção aberta. O seu “providencialismo” não é uma afirmação de “teocracia”. Não se pode extrair da filosofia-teologia da história de Santo Agostinho argumentos para o césaro-papismo ou para qualquer outra confusão do religioso com o político. A importância desta filosofia-teologia da história ressalta mais quando se tem em conta que em toda a história da filosofia será preciso esperar Hegel para encontrar outra concepção igualmente global e completa (embora em Hegel ela tenha um sentido panteísta).